20 de novembro de 2016

olga

tropeço nas pernas dos corpos que esqueço pelo chão
tropeço e me deito por cima do cadáver um deles
o que me foi mais difícil encarar enquanto em desespero
me pedia desculpas, parecia sincero, parecia,
enquanto dançávamos a sós em cima e por baixo de cadeiras
me sinto só quando corro para longe, por cima de bancos,
e respiro a brisa úmida que excede a chuva
observo de onde sempre estou, sempre debaixo da árvore
sempre de longe e não vejo, mas entendo todos os corpos
que querem sempre existir, sempre existir ao redor de  
e ao redor do som que não seu, e se movimentam
alguns segundos, segundos, atrás, me dá uma gole da sua bebida
como se pelo gole nos tornássemos um só, um movimento só
um de nós, o aceitamos, um de nós, mas você não existe
o que há dentro dessa garrafa que te faz ser assim,
que os envolve num momento que não existe e é esquecido
a cada novo passo, ir embora sem medir a distância ou
a capacidade dos pés, deixando pedaços do vidro para trás,
pedaços da garrafa arremessada pela janela, quem é
o que é essa mão e essa força o que quer dizer
quando fico imóvel e não sinto medo, não queria me machucar
fico descalça recebendo visitas que nunca chegam
espero à porta a resposta, mas sem esperar nada -
eu deixo que me deixem só e deixo que abandonem
mas me mudo, aos poucos, levando aos poucos minhas peças de roupa
levando minhas folhas, meu colar de pedras, não sei quais pedras
e em algum momento, não vou ouvir a porta, não vou ouvir do lado de fora
a mão, mesma mão, a mesma mão – esquerda, mesma mão, não vou ouvir
estarei nua, no colchão, no chão, vestindo meu colar de pedras,
ouvindo um último disco, morrendo uma quarta vez essa noite,
em outra cidade, em outro quarto, em outro corpo, outro cadáver que repousa
por baixo de mim. todos são apenas cadáveres,
a não ser a força desnecessária que não entendo
e cada vez mais longo o verso, cada vez mais incômoda a distância,
eu deixo que me deixem só, mas mesmo não sentindo nada, sente,
ao dizer não sinto nada não sinto nada não sinto nada mas existo sem sentir nada
eu sou o corpo que espera, EU, EU sou o corpo que espera
EU sou a carne que senta no asfalto e espera cética
mas deixo que me deixem só

ouço a frase que não ouvi a primeira vez, ouço todas as vezes tentando acreditar