6 de julho de 2016

Descida

Se só epígrafe e,
antes do que precede,
nada de muito terrível
Como se só a voz que chama e responde o pouco
com uma frase e meia
e lendo o pouco que
não diz os poetas     ?
As vezes penso que somos poetas
assim como somos
como tal
especiais
Dizem que não é nada
Enquanto seus olhos queimam
E seu estômago queima
Depois de algumas taças
de vinho que não contêm nada
senão o vazio de um gole anterior
Ainda topo tudo e espero o amargo que
segue a dança de corpos a sós
Mas se somos
não somos senão a sós
e nossa dança não representa muito além
do último fôlego de animais em extinção
Não ando, apenas a calma que vaga máscara
Levo comigo suas personas, suas peças de roupa
Carrego papéis presos em crimes
Injeto metais tortos de um clipe
Quando leio silêncios
e ouço e lembro os versos que falharam
leio quase tudo
Absoluto
Rasura
Meu corpo como papéis amassados
E desamassados e
Colocados cuidadosamente
Por cima de qualquer coisa que instável
Como seu corpo de água mais fraterno;
a água que escorre pelo pescoço;
a terra que seca;
a resposta que não ouvi.
Muitas falhas técnicas constroem as
Partituras e palavras
e tudo é quase não dito
Quase digo
a voz por trás da cortina e por trás do travesseiro
Com medo de olhar o outro que
vai comigo ao inferno
[mas vou sozinha ao inferno e vou andando devagar, não luto muito mais e a idade é certa, é essa mesmo vinte e dois e não por muito tempo, e vou sozinha, sem nunca ter morrido, ao inferno e lá vou observar outros libertinos que voam quase felizes de um lado a outro enquanto voo eu de um lado a outro, vomitando, eu vou sozinha, eu outros viciados]
Será que lá vamos ouvir
no vento constante
as coisas que não ditas
mas que também não são
senão silêncio?
Vamos poder tocar o outro sem desmanchar;
sem sentir a borda que arde mais que
todas as queimaduras;
a borda que uma só
logo antes do recuo
do que recua de olhos fechados
[porque melhor cair, me diz onde é seu precipício]
E ainda só o enjoo
[sem bordas os dois corpos puros ainda, vivos ainda, despidos: liquefação]
O amargo
A angústia
O sono que me leva para casa
A mão do cuidado finge conforto
O enjoo
O amargo
Ele ri e sei que sente medo
é o pensamento que antes dele antes dele antes dele antes
Agora me tranca
Sabe o corpo que recusa
Que protejo, que projeto, que sou
Eu o deixo abrir faca à pele
[num movimento suicida, uma só não pele à faca]
Topo tudo
afeto sempre e vou desmanchando
A cada tiro
A cada partida
e a cada toque que quase não senão recuo

Lara Nogueira - Francesca, 2016 - 35mm