7 de julho de 2019

ocre velho

às vezes penso se deveria contar os fios de cabelo que saem em minhas mãos no banho – quente o suficiente para
e se deveria mesmo retirá-los do vidro ao final do banho e se
esse poema iria sobreviver a todas essas pequenas tarefas que sempre devem ser concluídas principalmente quando se está hospedado em algum outro lugar
enquanto espero que o livro que escolhi na estante conte-me uma história de amor

meu ex-namorado uma vez arrastou os fios de cabelo presos ao vidro do box para o formato de um coração e acho que talvez isso tenha sido uma história de amor
mas não sei de muita coisa e deixo que isso se torne aparente quando sem querer pronuncio afiliado ao invés de filiado e quando pesquiso se posso continuar dizendo estralar ao invés de estalar

minha mãe acha que não é inteligente e acha que sou inteligente e acha que puxei isso do meu pai e tive vontade de chorar agora

penso também se queria mesmo uma história de amor tão em pedaços quanto a que estava produzindo ainda ontem à noite, ou talvez hoje pela manhã
mas sei que não, sei que não porque eu sou a mesma que se vê do outro lado ainda com mãos em mãos e sei que poderia me causar tanta dor quanto à possibilidade dessa dor que por dois anos senti sem ver de fato
sem nunca saber de fato
nunca conheci alguém tão inteligente quanto a minha mãe

quando chegar em casa vou pintar minhas portas em ocre velho